Tive acesso ao relatório da McKinsey – Visão Brasil 2030, onde vários temas de grande relevância são abordados, dentre os quais a saúde no Brasil. Com opinião de vários especialistas e subsidiados por publicações diversas e estudos de casos, o relatório identificou alguns problemas e traçou alguns objetivos a serem atingidos. É o retrato cruel dos reflexos da desigualdade em nosso país.
Já ouvi em vários congressos que é destinada a mesma relação percentual do PIB que países europeus em saúde no Brasil e obtém resultados ridículos em qualidade e acesso. Gastamos mal os recursos? Sim, mas não é só isso. Não há como desatrelar a saúde da educação, e, menos ainda afastar a responsabilidade do Estado no estabelecimento de novos formatos de gestão que privilegiem a performance dos prestadores, tema que o amigo Dr. Cesar Abicalaffe vem disseminando há décadas.
Muitas prefeituras que poderiam incrementar ações de educação em saúde, saneamento e atenção primária de qualidade, continuam praticando a “ambulancio-terapia”, por ser mais barata, mais cômoda e dessa forma empurram a responsabilidade do tratamento e reestabelecimento para centros de maior porte.
Segundo o relatório, apesar da expectativa de vida do brasileiro ter crescido entre 2012 a 2015, está em penúltimo lugar na América Latina, à frente apenas da desesperançosa Venezuela. Enquanto a média no Brasil é de 75,2 anos, no Chile atinge-se 79,1 anos (média só atingida por Santa Catarina). A diferença entre as piores médias (Maranhão, Piauí e Rondônia) com 71 anos e a melhor (Santa Catarina) é de 8 anos. Ou seja, vive-se mais no “sul maravilha” que em praticamente toda a região norte e parte do nordeste.
Enquanto Curitiba possui praticamente 100% de seu esgoto coletado, sendo 91,3% tratado, a média nacional é de ridículos 45%. São esses 45% que propiciam leptospirose, dengue, zika, etc., etc., etc. Adultos que receberam imunizações não vacinam mais seus filhos “não dá nada”. Cerca de 20% da população está obesa. Houve a redução de 20 mil leitos e a nova RDC 50 promete estabelecer obstáculos que reduzirão ainda mais esta disponibilidade, pois tornará as edificações de saúde menos eficientes. A explosão demográfica da população idosa nos próximos 10 anos é alarmante em nosso país e não temos a menor condição de abrigá-los de forma digna. Esse cenário precisa mudar o mais rápido possível.
Esse documento estabelece cinco ações que podem alterar essa realidade, com a estruturação de prontuário eletrônico universal, estratégia de telessaúde, gestão hospitalar, compra e distribuição inteligente de medicamentos pelo Estado e expansão de atendimento básico por unidades móveis. Percebe-se aqui um “dedo” de interferência das iniciativas bem-sucedidas realizadas no Município de São Paulo, mas ainda carece de uma visão Nacional. O Conselho Federal de Medicina ao invés de estruturar e regulamentar a Telemedicina no Brasil, simplesmente a proíbe, não percebendo que será engolido pela tecnologia de outros países. Se no Brasil é proibida a “consulta via internet” e em outro país ela é usual, barata e de boa qualidade, não tenho dúvidas que o brasileiro irá contratar esses serviços fora daqui. Não percebem a velocidade desses acontecimentos, tornam-se Blockbusters da “Netflixação”, são os taxistas versus Ubers na contramão da avalanche tecnológica, serão destroçados. A disrupção bate à porta dos hospitais e clínicas. A capilaridade facilitará o acesso, em qualquer parte do planeta, a qualquer tempo, e isso configura avanço da humanidade, queiramos proteger o nosso quintal ou não, seremos protagonistas e vítimas ao mesmo tempo de todo esse processo.
O sistema de saúde no Brasil (ou de doença) não suporta mais o jeitinho brasileiro. Não dá mais para permitir invasões de terrenos em áreas de risco. Não dá mais para poluir nosso ecossistema. Não dá mais para conceber atestado médico falso. Não dá mais para abusar do álcool. Não dá mais para continuar fumando. Somos vítimas da nossa própria ignorância com a permissão e supervisão do Estado.
Parabéns à McKinsey pela iniciativa, espero que o diagnóstico realizado tenha tratamento e que o desfecho clínico seja positivo para todos nós brasileiros.
Texto por Norton Ricardo Ramos de Mello: engenheiro civil, mestre em Engenharia Biomédica e PhD em Gestão de Saúde.